sábado, fevereiro 28, 2009

GUARACY RODRIGUES

Neste mês o Canal Brasil exibiu um documentário-despedida com o Guará. A câmera acompanhou o velório e o enterro deste incrível ator que morreu de vodka, mas não morreu de tédio. Coincidências sublimes neste momento do meu processo de criação.
Quando conheci Helena Ignês (no FAM em que o Signo do Caos foi exibido), ela me fez uma pergunta direta: "Tu conhece o Guará?". Desconversei e falei dos dois ou três filmes que tinha visto com ele. "Ele é um ator fantástico!", ela me disse. O tempo passou, o Guará morreu . Chafurdando meus livros, encontrei esta entrevista que o Luiz Nazário fez com ele em 1980. Decidi postá-la no blog da Vinil. Obrigado Breno pela paciência em transcrevê-la.


A REPRESENTAÇÃO SEGUNDO GUARÁ

Luiz Nazário – Em A NOITE, Antonioni fez uma experiência com Jeanne Moreau: terminadas as suas cenas, continuava a rodar o filme, registrando os momentos em que a atriz, deixando de ser personagem, não era ainda a pessoa. Como um ator vive estes momentos? Que relação há entre a pessoa, a personagem e este ser intermediário?

Guará – Baseado na minha experiência, não existe este ser intermediário. O que existe quando se termina um plano é a crítica do que se fez. Uma crítica quase técnica. O ser intermediário não passa de uma sofisticação de intelectuais europeus. Esta frase não tem nada de pejorativo, pois amo a sofisticação, a Europa em geral e a cultura italiana e francesa em particular. Agora, a relação entre a pessoa (ator/atriz) e a personagem é outro papo. Um papo nada sutil. É quase violento. A mim a personagem me possui inteiramente, com a força que o demônio possui Rosário, no filme que escrevi para o Neville D’Almeida, Piranhas do asfalto.

L.N. – Quando a personagem o possui, como um demônio, é para que você se esqueça do seu corpo? Representar é uma forma de não assumir o corpo através de sua instrumentalização?

G. – Meu corpo nunca está em jogo, a não ser como manifestação sensual da personagem. Ao mesmo tempo, na imagem, o corpo é a única coisa que domino, isto é, que não me causa surpresa quando o vejo filmado, principalmente se ele é decomposto, quer dizer: close-up das mãos, da sola dos pés, dos órgãos sexuais, dos olhos, dos lábios fechados entre os quais surge a língua úmida, etc. Enfim, o meu corpo está quase sempre assumido, não penso mais nele, mas não o esqueço: ele já não me pertence, pertence à personagem. Fui chamado pelo meu amigo Gilberto Loureiro para fazer um corcunda no seu próximo filme. Aí, sim, meu corpo vai ser literalmente instrumentalizado – é uma caracterização. Estou pensando em algo assim como Charles Laughton em O corcunda de Notre-Dame. O corpo se transforma numa obsessão... mas não se pode perder o humor, como Charles, naquele plano memorável dizendo: “I’m not a man, I’m not a beast”.

L.N. – Qual a sua formação de ator?

G. – Minha formação de ator é a forma-ação. A forma: o diretor, o diretor de fotografia, o figurinista, o cenógrafo, o script, a equipe enfim. À palavra “ação” me transformo em ator. À palavra “corta” volto a ser Guará (personagem/pessoa/ator).

L.N. – Quais seus atores preferidos?

G. – Richard Dreyfus, Zbigniew Cybulski, Gerard Phillipe e todos aqueles monstros sagrados do velho cinema americano: Bette Davis, Bogart, etc. E também qualquer ator dirigido por Hitchcock, até mesmo Doris Day em O homem que sabia demais. E Edgar Buchanans, o juiz de Guns in the afternoon, e também Warren Oates. De qualquer maneira, atualmente estou parado na de Richard Dreyfus.

L.N. – Quando veio em você a noção de representar?

G. – Creio que com a primeira mentira. Quando se mente preciso elaborar, iludir, ser uma outra pessoa sem renunciar ao que você é. Depois, socialmente, a grande mentira, você tem que representar sempre.

L.N. – A representação nasce na família – no teatro do pai e da mãe – ou num desejo constante de ser outro?

G. – O teatro do pai e da mão, como casa de espetáculo, tendo eles como espectadores, é realmente muito interessante e incentivador para o jovem ator (o filho), mas sendo eles o espetáculo em si é mais uma novela de Janete Clair do que teatro. Por outro lado, os pais, como diretores, são muito ditatoriais. O desejo constante de ser outro... isto não existe. Eu não desejo ser outro quando represento, eu quero ser eu mesmo enquanto outra pessoa. Quer dizer, eu quero me colocar no interior de outro ser (personagem) e o transformar para o bem ou para o mal.

L.N. – Fale das suas decepções, no cinema, de ver a sua imagem apreendida de uma forma diversa daquela que havia imaginado, da diferença que existe entre o sonho da representação e a sua realidade, da montagem enfim, que destrói... o quê?

G. – O cinema nunca me decepcionou como criação. Existe a decepção quanto às dimensões. Você sabe, o cinema tem a limitação das duas dimensões. Por outro lado, você idealiza, digamos, um plano que fez e, quando o vê, depois de um tempo, o tempo da revelação, revelação do negativo e revelação no sentido amplo, você já amadureceu mais um pouco e pensa: “Isso poderia ser feito assim... de uma maneira mais perfeita”, ou “está tudo errado, não é nada disso”. Não se pode retocar, como na pintura, ou jogar fora ou rasgar, como se faz com uma fotografia. A perfeita representação ou a representação perfeita só existe em toda a sua sutileza na vida real, a cronologia é a montadora ideal. A montagem no cinema é arbitrária. Destrói a ordem interna do ator.

1980

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

E começa fevereiro…

A pré-produção já começou e está bastante adiantada. A equipe esteve em Lages e definiu muita coisa por lá. Fernando Leão, nosso produtor local, está mandando brasa, fechando apoios, buscando contatos com interessados em participar das filmagens e mediando nossa conversa com a prefeitura da cidade. Aguardamos ansiosos uma posição favorável de algumas frentes que ficaram abertas após nossa visita no velho-oeste.

Fernando Leão, o Produtor Local, pensa se aceita o cachê.

Até agora temos o apoio do jornal O Momento, que nos cederá uma kombi para o transporte de parte da equipe, e de alguns conterrâneos que irão nos emprestar os carros de cena: um fusca e uma variant. Rodaremos uma sequência no Motel Villages, que abriu as portas para a equipe com toda a boa vontade. Outro local que fomos muito bem recebidos foi no Aeroporto Federal de Lages, onde Cacos-de-Vidro chega num avião 60’s, pilotado pelo gentil senhor Ibanor.


Marx Vamerlatti, o Diretor de Fotografia, comtempla o céu de Lages

Loli Menezes, a Diretora de Arte, em dose dupla no Villages


O Momento, nosso apoiador, fez uma matéria de cinema!


A principal locação, porém, fica nas proximidades do chalé da família Vedana. Lá rodaremos a cena final do curta, uma perseguição desprovida de qualquer compromisso com a realidade. O local possui estradas com curvas sinuosas margeadas pelo perigoso rio Caveiras. Daí o nome: Salto Caveiras. Eu não poderia deixá-lo de fora da história!


Curvas periclitantes!

Sebastião, o Diretor de Produção, além dos outdoors!


E como não podia deixar de ser, em Lages aconteceram duas coisas curiosas: a primeira é que a cachoeira que eu havia visto na minha primeira visita, simplesmente desapareceu. Cheguei com toda a equipe e me deparei com uma rocha imensa sorvendo somente um filete d’água. Isso me fez refletir a frase do Humberto Mauro de que Cinema é Cachoeira. A queda estava lá, mas já não era mais a mesma. Assim como não o é a cada segundo que passa. Espero encontrá-la transbordante quando for filmá-la em março.
E espero que o sol nos banhe de luz.
Antes de voltarmos para casa, estávamos quase desistindo de encontrar um ator importante que irá fazer uma participação especial no filme. Antes de sair de Floripa, eu havia telefonado para Curitiba, onde ele está morando, para combinarmos um encontro em Lages. Mas ficamos de nos comunicar quando chegássemos. Ligamos direto para o celular do homem e nada. Sempre desligado. De repente, enquanto rodávamos pelo centro da cidade em direção ao posto de gasolina, Ele, o trovador-solitário, cowboy do Planalto Serrano, João Amorim, atravessa a rua diante do carro. Comoção geral. Tiramos alguns retratos para a posteridade e fechamos negócio ali mesmo, na frente do banco. Transeuntes o paravam na rua para cumprimentá-lo amigavelmente. E ele já ia fazendo a propaganda de seu próximo longa: Os Pistoleiros.


João Amorim e Marco Martins

Retornamos para Florianópolis bastante satisfeitos. Passamos a semana encaminhando ofícios, fechando elenco, finalizando roteiro e planificação e fazendo provas de figurino. As duas locações que estavam pendentes também já estão fechadas: um terraço no centro da cidade e um bar/boate. E para já dar a letra: faremos a festa de encerramento no Mix Café, no últimos dia de filmagem, dia 14 de março. Na parte da tarde filmaremos cenas com figuração convidada/disponível. De noite, quando a festa já estiver bombando, rodaremos alguns planos mais abertos. Desde já faço o convite para todos que estiverem interessados em participar. As atrações da noite ainda não estão fechadas.
Nesta próxima semana terei que me dedicar quase que exclusivamente para os ensaios com o elenco. Domingo fizemos uma sessão de Bonnie & Clyde no Blues Velvet Bar, o que já vai dar o que falar no primeiro encontro. Muitos tiros, bons diálogos, o amor e velhas piadas. A cena do assalto ao banco falido (o filme se passa durante o período da Depressão) é de tirar o chapéu. Clyde Barrow faz o velhinho do caixa ir até o carro repetir para Bonnie Parker, sua mulher, o que acabara de ouvir, que “o banco não tinha dinheiro”. Ela cai na gargalhada.
E antes que eu me esqueça: o Cine Marrocos, o último cinema de rua de Lages, vai fechar. Previsível e lastimável. Vou fazer uma cena lá . Afinal de contas, no “Veludo”, três lugares não existem mais: o Underground Rock Bar, O Brechó da Denise Richards e o terraço do Cecomtur (que ainda existe, mas é outro, como uma cachoeira).
É isso aí, uma contradição: o cinema é permanente e é provisório.
E o barco não pára.

Uma futura igreja? Um bingo? Um estacionamento?