sábado, abril 26, 2008

A Mão do Macaco - Entrevista com Jefferson Bittencourt

Por Renato Turnes

Como foi pensada a adaptação do conto A Mão do Macaco para a linguagem do vídeo?

O conto original de William Wymark Jacobs se passa no final do século XIX. Trata-se de uma família: pai, mãe e filho, que recebem a visita de um amigo arqueólogo que traz um amuleto descoberto em uma de suas pesquisas. O ambiente é tratado no conto com muitos detalhes e cuidados, como a noite na qual o visitante chega, quando pai e filho estão jogando xadrez à luz de velas. Esse aspecto lúgubre das casas, das noites com silêncio, é próprio do universo fantástico. Para a adaptação tivemos que partir de um princípio que pudesse ser análogo a esse clima sombrio. Num mundo cheio de luzes e barulho (como o nosso atualmente) optamos então por uma linguagem mais dinâmica: escolher a própria câmera como aspecto marcante na fronteira entre a coincidência e o puramente fantástico. A câmera delimita o clima denso que vai tomando conta do filme. Assim, este filme não poderia ser feito em outra bitola que não fosse o vídeo: é de uma câmera caseira que nasce o ambiente e a atmosfera em que se passa a história. Assumimos todos os percalços de um registro caseiro que acabaram por conferir riqueza na textura, nos enquadramentos e na maneira de abordar o roteiro.

Você dirige teatro há alguns anos, mas essa é sua primeira experiência na direção de uma ficção audiovisual. Como o processo de A Mão do Macaco reflete sua prática no teatro? Quais os pontos estéticos e técnicos de aproximação e distanciamento entre as duas linguagens a partir dessa experiência?

Como se trata de um filme de Horror, tive que pensar basicamente no trabalho de interpretação dos atores como ponto essencial. Buscar a devida dramaticidade para aprofundar os temas abordados no filme. Meu trabalho no teatro me auxiliou a poder desenhar todas as cenas previamente. Foram muitos ensaios marcando e repassando cada olhar, cada movimento. A sensação que a platéia deveria ter é de um filme caseiro – casual – mas tudo foi extremamente construído. Inclusive a própria câmera é manuseada por um dos atores. O que tornou ainda mais complicada a maneira como filmamos e o que escolhemos para fazer parte do filme.

Uma diferença muito marcante é que, geralmente, no teatro o diretor é mais ‘solitário’ no processo de construção de uma obra. Já no cinema os inúmeros assistentes e as inúmeras funções (direção de arte, fotografia, etc...) possibilitam uma discussão muito ampla sobre qualquer aspecto do filme. Outro ponto importante é que no teatro o ator tem plenos ‘poderes’ quando está em cena. O diretor não pode intervir. Já no cinema tudo passa pelo olho do diretor ficando impresso ali seu olhar sobre os fatos.

A Mão do Macaco é um filme de horror. No teatro você já dirigiu espetáculos que experimentam essa linguagem. Quais as particularidades desse gênero que lhe atraem?

Edgar Allan Poe dizia que é no horror que podemos encontrar a beleza. Para mim tratar do universo fantástico nada mais é do que poder falar sobre a beleza e sobre todo o mistério que há nela e que não somos, nem por um segundo, capazes de compreender. Parece um paradoxo mas não é. Nas situações limites encontramos a essência das coisas que nos cercam e encontramos também aquilo que nos move para viver. É enxergando o horror que podemos purgar nossos pecados e ver que a vida é muito maior do que, muitas vezes, exageramos em definir.

Como o elenco foi escolhido? Quais as relações entre os principais atores e seus personagens?

Bem, eu já havia imaginado Gláucia Grígolo para o papel de Sandra por conhecer seu trabalho, assim como Renato Turnes para o papel de Paulo. Ela tinha o perfil necessário para fazer uma adolescente inconseqüente, mas ao mesmo tempo misteriosa. Já ele tinha a qualidade de já ter certa experiência com a câmera na mão (pois se trata de um ator que vem fazendo trabalhos em cinema e conhece como se trabalha por trás das câmeras) assim como tinha a idade e o ‘visual’ necessário para interpretar o amigo dos dois irmãos (não poderia ser um ator muito parecido com ela, por exemplo).

Já a opção por Leandro Waltrick veio um pouco depois e acabou por dar sentido maior ao trio de atores. Leandro é bem mais novo que os outros dois, mas ficou à altura no conjunto de atuação. Acabou por dar a idade certa para os irmãos (foi referência, pois ele realmente tem a idade do personagem do roteiro) necessitando apenas colocar Gláucia com características visuais semelhantes às dele.

Interessava-me mostrar um casal de irmãos jovens, adolescentes, para que a tensão que via crescendo no filme pudesse ser alimentada pela energia plena da idade. Os ensaios foram, cada vez mais, revelando as relações dos atores com os personagens e, cada um ao seu modo, foi buscando espaço dentro das propostas do roteiro. Várias falas foram alteradas à medida que os atores se apropriavam e criavam novas características para os personagens.

Você resolveu ensaiar bastante com os atores e essa não é uma prática comum no cinema. Qual sua intenção com os ensaios?

Era demarcar exatamente cada ponto do enquadramento e da movimentação para se ter a devida consistência no lado oposto: parecer que nada foi ensaiado. Como o filme todo é registrado a partir de uma câmera caseira, a idéia seria a de que tudo no filme é resultado do acaso ou da intencionalidade primeira, isto é, o personagem pega a câmera e filma aquilo que quer filmar e nós, espectadores, vemos somente isso. Os ensaios também serviram como uma espécie de ‘storyboard’ ao vivo. Eu tinha, antes mesmo de filmar, todo o filme já gravado, pois registramos (e ensaiamos) todas as cenas numa câmera high 8 mm. Montei todo este rascunho em casa e pude já ver o resultado dos planos em seqüência. Outro ponto foi que os ensaios , no próprio espaço da casa onde rodaríamos o filme, foi essencial para permitir que os atores ficassem mais à vontade durante as filmagens, sem deixar que os problemas de ajuste técnico (que levam muito tempo nos dias em que se grava o filme) pudessem atrapalhar na concentração e consequentemente no trabalho de interpretação.

Que outros artistas e obras lhe inspiraram durante o processo?

Com certeza uma obra que revela a riqueza deste processo de ensaios foi Festim Diabólico de Alfred Hitchcock. Neste filme o diretor acabou, por uma necessidade técnica (ele só tinha 8 rolos de filme com 10 minutos cada), demarcando cada passo do ator, cada ação, cada detalhe dentro do apartamento onde a história se desenrola. É uma aula de síntese e construção cinematográfica. Já dentro do ponto de vista do cinema de horror outros artistas também serviram de base : Stanley Kubrick (O Iluminado), Alejandro Amenabar (Os Outros), e claro, A Bruxa de Blair que foi exemplar no tratamento dado à potência assustadora que um material filmado, ‘supostamente’ caseiro, pode criar.

Seu trabalho é caracterizado pela musicalidade e pela profunda ligação entre música, ação e drama. Como é a música em A Mão do Macaco, e como ela se relaciona com a história que está sendo contada?

A música é o elemento que denuncia a minha presença dentro do filme. A Mão do Macaco não se trata de um filme sobre um vídeo caseiro, mas sim, de uma ‘construção sobre’ um vídeo caseiro. Não se trata de um documento audiovisual encontrado em algum lugar como prova de algo que aconteceu, mas sim, de uma história vista a partir de ponto de vista de uma câmera casual. Aí é que aparece a figura do diretor. Eu interfiro com a música ressaltando as passagens que me parecem mais marcantes da atmosfera de horror que o roteiro propõe. A música tem o papel, aqui, de comentar a situação vivida pelos personagens principais e denuncia, a todo o momento, o horror que está por vir.

Toda a gravação foi realizada na casa da família de Sandra Meyer no Parque São Jorge, em Florianópolis, onde toda a equipe ficou concentrada durante o processo. Por que essa opção? O espaço é importante no filme?

Foi, talvez, a decisão mais importante de todo o filme. A gentileza da família Meyer Nunes foi incalculável, pois permitiu que os atores ensaiassem previamente um mês antes e pudessem descobrir, literalmente, todos os cantos da casa. A opção de escolher um único espaço estava já no roteiro. Creio que os grandes filmes de horror sempre trataram de enclausuramento. Os lugares fechados proporcionam a agonia devida e a síntese necessária para as situações mais extremas. A casa, no filme, é um personagem vivo que revela fotografias da família, cantos escuros, e pontos frágeis dos personagens. A concentração de toda equipe (que acabou dormindo na casa durante os dias de filmagem) foi essencial para termos a devida concentração no trabalho e na atmosfera proposta pelo roteiro.

Ao assistir hoje o filme pronto, que sensações ele lhe provoca? Quais as expectativas para o lançamento e para a esperada reação do público?

O filme, para mim, possui boa parte das idéias e sensações levantadas no início da escritura do roteiro. Ao materializar as idéias muitas coisas mudam. Espero que o filme possa tocar a platéia, pois se trata de uma obra dramática, e não de um filme do ‘gênero horror’ – aliás não aprecio a idéia de gênero no cinema – e que possa fazer as pessoas terem uma experiência pessoal mais intensa.

Um comentário:

Yuri Cunha disse...

Muito bacana a entrevista... Quero muito assistir ao filme.